Eu e a anorexia
Abro aqui uma excepção para falar de mim própria. Este não é o objectivo inicial do blog. No entanto, a minha maneira de ser e de enfrentar as situações, tem a ver com um conjunto de factores que moldaram a minha personalidade. É essa personalidade que me faz reagir e por isso se me conhecerem, talvez entendam o porquê de certas reacções.
Num post anterior veio á baila a alimentação. Este é para mim um tema delicado. Tenho uma espécie de guerra comigo mesma com esta questão. Hoje ao visitar o blog de uma amiga, vi que o conflito gerado com a nossa imagem, o que mostramos aos outros e aquilo que fazemos para mudar essa imagem, é muitas vezes difícil. A aparência é muito importante (e ainda bem!) e somos alertados cada vez mais para determinados problemas de saúde que se relacionam com o modo como nos alimentamos.
Conheci ao longo da vida muitas situações diferentes. Aprendi por isso a não julgar. Cada caso é um caso. Este é o meu.
Em criança sempre fui muito magrinha ( com 3 anos tinha 11Kg o que preocupava e de que maneira a minha mãe). Até aos 10 anos fui tendo peso abaixo da média, por isso quando começei a engordar um pouco, por volta dos 11 anos, a minha mãe achou óptimo. O corpo entrou em mudança e menstruei a 1ª vez aos 12 anos. A partir daí foi o grande salto. Passei de senhorinha a senhora em menos de três anos e por volta dos 15 anos tinha engordado realmente! Vestia 38 e tinha tendência para ancas e coxas, típico, não?
Os problemas começaram um pouco mais tarde, quando passou a ser evidente que os outros me viam como gorda, uma «rabo grande» com pouca motivação para sair ou «curtir» com coleguinhas de turma. A auto-estima foi-se e o isolamento passou a ser a única opção.
Depois de uma vida académica recheada de muito Bons e de notas 20, a faculdade era o caminho lógico. Mas o patinho feio queria ser cisne, queria mudar! Penso que os meus pais nem se aperceberam mas propositadamente fiz por concorrer a um curso (direito) para o qual sabia não ter vocação, a uma faculdade que não tinha nota para entrar (podia entrar em Lisboa mas decidi escolher Coimbra e não entrei por décimas). Não quis concorrer á 2ª fase e acabei por parar um ano.
Esse foi o ano da transformação. Tudo na minha vida se alterou. Eu, menina perfeita, princesa dos papás, que nunca tinha vontade de saídas, passei a sair mais e com novas companhias. Passei a mudar a minha forma de vestir e teimei em mudar o meu corpo. Primeiro foram as dietas de verão, aproveitar o tempo fresco para comer saladas e fruta, depois a redução das quantidades que ingeria. Aos 19 anos o meu físico estava muito melhor (tinha 52Kg para 1,56m ). Fiz o priemiro ano de faculdade no curso de gestâo de marketing e publicidade, um meio que tinha muito a ver com aparência, com o físico.
Deixei a casa dos pais. Viver sozinha foi uma festa. Ninguém podia controlar o que comia e as idas a casa ao fim de semana eram fugazes e sempre evitava perguntas.
Passei a fazer apenas uma refeição, sem carne ou peixe, apenas de legumes e só ao jantar. O almoço não me preocupava porque estava na faculdade e não ia comer. Mas entretanto achei que comer á noite não era bom, depois não gastava energia, então passei a comer um iogurte magro ao almoço e beber chás ao jantar.
Se tivesse de comer em casa dos meus pais, iludia com maçãs ou sumos de cenoura (mas passei a comprar livros de nutricionismo com informação sobre as calorias e antes de pôr na boca confirmava vezes sem fim, o valor energético da maçã média). O que me punham no prato acabava no fundo dos bolsos ou no lixo quando ninguém estava a olhar.
Estava nos 42kg quando apanhei uma pneumonia grave e tive de voltar a casa. Tinha tanta fraqueza que a minha mãe me dava o comer na boca (só sumos e fruta a meu pedido).
Aos 40kg o meu médico deu-me a mim e á família um prazo de 48H para começar a comer ou teria de ser inetrnada. Fiz um esforço sobretudo pela minha mãe, mas lembro o histerismo quando me obrigou a comer sopa com batata, pão e leite. Lembro as insónias (minhas e dela) por ter de me pesar e dizer ao médico que não baixara mais o peso. Lembro as milhentas flexôes matinais porque queria queimar as calorias «a mais» da fatia de queijo.
Quando conheci o meu marido, tinha 42kg. O carinho e a força que me deu, obrigando a ver no espelho tal como ele me via, levou-me a tentar fazer uma refeição de faca e garfo. Ele que tanto aprecia a boa comida, detestava comer sozinho e foi assim aos poucos que dois anos depois, quando casamos (tinha eu 25 anos) estava com 44kg. Tinha, mas depressa voltei aos 40kg! A minha preocupação em que a pílula me fizesse engordar foi a desculpa. Na realidade a aversão aos alimentos mantinha-se. Quando tentei engravidar o médico deu-me um ultimato, ou engorada ou não consegue. Três anos e dois abortos depois, veio o Rafa. O meu peso oscilou muito na gravidez. Uma anoréctica não quer comer mas não é burra.
Sabia que tinha de ganhar peso pela saúde do bébé. Foi por essa altura que uma grande amiga me consegui levar a descobrir outras formas de vida. Mais naturais, menos agressivas, as comidas de estilos vegetarianos ou mesmo macrobióticos, começaram a fazer parte do meu menú.
Aos pouco fui adaptando. Passei a ingerir mais quantidade de cada vez, passei a ter menos aversão a certos alimentos e começei a gostar muito de cozinhar. Introduzi a carne (só de aves, 2x por semana e peixe 3 a 4x) Não consigo beber leite mas optei pelos derivados da soja. Se me apetecer um doce, como mas não como mais do que 2 por semana e se o fizer num dia de semana, vou cortar noutra coisa qualquer.
Tenho como meta manter os 45/46kg, depois da segunda gravidez (em que engordei apenas 6 Kg) recuperei cheguei aos 48!
Sei que tenho de me alimentar. Tenho uma vida activa e duas crianças pequenas. Numa semana de mais stress, chego a perder três kg. Por isso luto por comer mesmo que não sinta vontade. Sei que se não fizer o pequeno almoço, posso andar o dia inteiro sem comer nada e não dar por isso!
Posso não ter a imagem ideal mas aprendi a viver comigo tal como sou. Aceito-me e quero continuar a cuidar de mim.
A anorexia é uma teia que nos enrola cada vez mais. Não conseguimos parar, queremos ficar sempre mais magras. Tenho medo sempre que ouço miúdas falarem em dietas. Apavora-me que fiquem como eu fui em tempos, pois sei que o bichinho continua lá dentro á espreita.