«Mãe nós estamos à rasca??»
O Rafa tem trazido como tpc de fim de semana, escrever um texto a comentar uma notícia da actualidade - cada menino faz a sua escolha e durante a semana, vai-se discutindo os temas. Acho interessante pois incentiva os miúdos a prestarem mais atenção ao mundo que os rodeia, melhora a sua compreensão oral e escrita e permite discussões novas a cada nova notícia.
Ora, esta semana alguém da escola do Rafa falou na manif da geração «à rasca», de como se convocam pessoas pelo facebook e de que actualmente toda a gente anda à rasca com qualquer coisa...coisa essa que o Rafa não entendeu muito bem o que seria...
Assim sendo o meu filhote veio com a sacramental pergunta «mas ó mãe a gente anda à rasca também?»
confesso que tive de fazer um grande exercício mental para lhe responder...e saiu isto «bem, quer dizer à rasca, é um expressão muito triste filho! estar à rasca pode não significar grande coisa...olha é assim - as pessoas dizem isso para mostrarem que não têm o que querem e porque queriam ter mais e não conseguem, por exemplo terem mais dinheiro ou melhor emprego...entendes? mas na verdade, só não têm porque se calhar não se esforçam o suficiente, certo? como tu, quando não fazes os tpc e ficas à rasca com medo da reacção da prof...mas se te esforçares e tiveres feito os tpc, estás à vontade, não à rasca...» ora o Rafa pensou um segundo e disse «bem, nós não estamos à rasca então, porque o papá e tu fazem muito esforço não é?»
E a nossa conversa terminou ali...até porque ele entretanto já estava «noutra»! Mas eu fiquei a remoer naquilo...e pensei que se um dia o Rafa viesse a ler este blog, até gostava que ele percebesse porque é que sou contra a tal manifestação...
Ora então, eu vivi naquilo a que a célebre frase de um então ministro de Cavaco Silva, o mesmo que já foi primeiro ministro e agora é presidente (esquecendo certamente que já impôs aos jovens de ontem um rótulo que os persegue até hoje, apelando aos jovens de agora para que não se conformem) designou por geração rasca. Eu que tenho boa memória, ao contrário do que parece ser comum a outras pessoas, lembro-me muito bem do meu período de estudante, marcado por esse repto do tal ministro.
Lembro-me das salas de aula lotadas, do estado miseravel dos equipamentos, do facto de ter aulas aos sábados, mesmo tendo uma carga horária semanal sem descanso, do método enfadonho como eram dadas as matérias. Lembro-me de que tinha professores (a maioria) que nem se incomodavam a fazer o que era suposto fazerem - dar aulas...e passavam o tempo a ler revistas da moda enquanto faziamos os exercícios, copiando as soluções e levando cábulas para os testes...ou pior, vinham para as salas de aula curtir bebedeiras e dormir até ao tocar da campainha, creio eu porque como não havia avaliação nos moldes que hoje se pensou, isso os tornava imunes e continuavam alegremente a sua «progressão» na carreira, objctivo único a que se agarravam...
Lembro-me das famosas (ou talvez não) PGA as provas que supostamente eram sobre cultura mas que para mim não passaram de uma aberração, do facto de chegar ao 12º ano sem saber o que seguir porque não havia orientação vocacional e porque do modo como estruturavam as áreas, não podiamos ter grandes opções...Lembro-me de ter um 18,2% como média final e não ter acesso a uma Universidade pública, porque naquele tempo, quem não tivesse uma «bruta» cunha não entrava no ensino oficial...aliás, logo de início lembro-me das turmas serem feitas de acordo com a lógica da separação de classes - de um lado os que eram filhos de pais assalariados, sindicalistas ou membros das associações de pais, do outro, os filhos do senhores da política, dos membros da burguesia endinheirada e dos novos ricos que nessa altura muito souberam aproveitar os fundos do governo, dados a troco da côr política...
Fazer um curso deixava muita coisa em aberto mas...depois descobria-se que as portas se fechavam. Porque naquele tempo, estágios eram uma miragem ao alcance apenas de alguns priviligiados...e empregos a sério, só mesmo para quem podia pedir ao papá!
Eu, filha da geração rasca, nunca me conformei. Fiz um curso de marketing, fui pedir um estágio a uma multinacional, fui para espanha (onde aprendi que doutores só os medicos) fiz uma licenciatura em publicidade, cursei psicologia, trabalhei como diretora de marketing de uma empresa informática, abracei a área da psicologia infantil, fui estudando conforme os meus interesses, aplicando os meus conhecimentos, escolhendo as minhas batalhas, definindo as minhas prioridades e nunca me senti «à rasca» com nada!
Ao longo do tempo, muita coisa mudou, é verdade! mas os jovens de hoje não se podem queixar a não ser da sua própria inércia! sou dura? talvez...mas digam se acham que faz sentido que esses jovens que se julgam no direito de se manifestarem porque vivem «à rasca», aguentem horas, dias até, numa fila ao relento para conseguirem um bilhete que lhes dê acesso a um concerto de qualquer banda da sua preferência, tenham dinheiro para encherem as discotecas da moda e gozarem viagens de finalistas em grande estilo mas não tenham nem metade do afinco para meterem mãos e pés a caminho na procura de um emprego? reclamam porque querem ensino de qualidade mas nem sabem aproveitar os recursos ao seu dispôr? eu para fazer a minha tese de mestrado, passei horas na biblioteca municipal onde podia consultar manuais e ter acesso a pc...actualmente eles têem pc's com net a partir da pré escola... o meu filho mais novo que anda no ensino oficial, pré escola de uma cidade pequena, tem uma sala equipada com um quadro de nova tecnologia, interactivo, já tem como actividades extra o inglês e as ciências, a música, a dança e a ginástica! ao mais velho são-lhe passadas noções cívicas sobre preservação do meio ambiente, proporcionadas actividades adequadas aos seus gostos e idades e incentiva-se o empreendorismo e inovação (o concurso shoe parede foi uma prova disso mesmo). Assim se constroi o futuro, apostando na educação. E fazia bem ao povo português aderir à cultura do elogio - reconhecer o que está bem e melhorar o que deve ser melhorado. Saber dar valor ao que se tem, coisa que eu aprendi a fazer, talvez porque sempre tenha tido de lutar e nunca nada me foi dado de bandeja...e do mote para a tal manif? não posso estar mais em desacordo - não conformismo não é ir à rua gritar por um par de horas que «isto vai tudo mal» e depois esquecer isso tudo para se sentar à frente de um plasma a assistir a uma série de um canal pago numa tv por cabo (sim porque podem andar à rasca mas nem pensar em abdicar de um belo plasma...nem que tenha de ser pago a prestações com o dinheiro do subsídio de desemprego...). Não ficar conformado com a situação do país e da vida em particular é agir, é acreditar que cada acção pessoal faz a diferença num todo. Não ficar conformado é saber aproveitar as oportunidades, tirar partido do que temos de melhor.
Querem um exemplo? quando recebi o diagnóstico de PHDA do Rafa, não me conformei. Não me conformei com a falta de respostas, com as poucas ajudas que me deram, com as soluções que não faziam sentido. Não me conformei e reorganizei a minha vida. Contornei obstáculos e tomei iniciativas. Criar um espaço dedicado a estas crianças e suas famílias, mobilizar vontades, mostrar que muita coisa pode ser feita. Não foram coisas de dias, tudo leva o seu tempo mas nunca me conformei e o resultado - vou abrir em breve, um espaço que espero venha a ser uma mais valia. Um espaço pensado por quem passou no concreto pelos problemas e os sabe enfrentar, um espaço de partilha e apoio. Um nucleo da associação portuguesa da criança hiperativa a funcionar a partir do norte, coisa de que não se julgaria ser possível se optassemos todos pelo conformismo!
Como também não me conformei com o facto de ter sido despedida porque uma criança hiperactiva é tão exigente e imprevisivel que uma mãe não consegue conciliar carreira e família e não descansei enquanto não voltei ao mercado de trabalho, agora com muito mais «pulso» com muito mais organização e com a certeza de que é possível, basta agir!
Portanto e para finalizar que isto vai longo...quero que o Rafa e o Quico saibam que para a mãe ficar «à rasca» é preciso muito mais que uma crise! e embora ainda pouco tenha feito, tudo o que faço é para que um dia mais tarde eles saibam dar valor e ficarem gratos, respeitarem e exigirem respeito, para contribuir com o meu pouco para um muito que deve ser de todos, para um país melhor, para uma geração que não se deixe (en)rascar!