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Energia a Mais

A Hiperactividade vista à lupa

Energia a Mais

A Hiperactividade vista à lupa

29.Set.11

de coração

 

 

ou por causa dele, muitas vezes tomamos certas atitudes que nos acompanham para sempre

 

No post anterior falou-se de família. Do peso que tem na construção dos nossos sentimentos e das decisões que tomamos (ou não) em função dela. Falou-se da necessidade de ultrapassar preconceitos, flexibilizar comportamentos, adaptar estilos.

Na minha família, como em qualquer outra, temos laços - uns mais fortes, outros nem tanto.... Desses laços falo neste post

 

A decisão de formar família estava tomada e o nascimento do nosso primeiro filho veio reforçar os nossos laços. Para a familia mais próxima seria um momento vivido também com entusiasmo pois este foi o primeiro neto dos meus pais, primeiro neto rapaz do lado paterno (havia uma neta) e como conviviamos regularmente sempre existiu um envolvimento de todos.

Para nós, pais de primeira viagem, recorrer aos mais experientes parecia-nos perfeitamente normal, dado que nos livros e revistas tudo é demasiado perfeito e cheio de regras fixas. Claro que desde muito cedo, percebemos que os comportamentos do nosso primeiro filho esbarravam na lógica e desafiavam o conhecimento dos mais experientes...

Quase tudo no Rafa era diferente, o seu desenvolvimento precoce obrigava-nos a desfazermo-nos aos poucos da ideia de um bébé «típico» e de nada pareciam valer os conselhos dos outros. Lembro-me que os sentimentos dominantes nessa altura, entre nós, pais, eram os de insegurança e frustração! Sentiamo-nos inseguros em relação a qualquer passo que davamos e frustrados por não entender-mos porque não resultava...

Os conselhos dos outros passaram a ser encarados como «controladores» do nosso fracasso - frases como «deviam fazer assim...»; «ele nao pode fazer o que quer...»; «não o deixem fazer isso...» quando falamos de um bébé de meses pareciam-nos descabidas mas por outro lado, não conseguiamos ter melhores resultados!

 

Durante algum tempo ainda frequentamos as casas dos nossos pais mas aos poucos acabamos por nos afastar pois sempre que iamos com o Rafa, ele berrava o tempo todo, parecia estar sempre com as roupas em desalinho, recusava comer nas horas em que os outros o faziam, queria andar sempre em movimento mesmo quando ainda só tinha 5/6 meses...Tinhamos tanta dificuldade em chegar a horas para um almoço de domingo por exemplo que ficavamos envergonhados por todos terem de esperar por nós, constrangidos por sermos os primeiros a sair...

 

Se com os meus pais, fomos tendo um relacionamento diferente foi sobretudo pela intuição da minha mãe que desde logo me avisou sobre o que ela achava não ser «normal» num bébé daquela idade, alertando-me para que procurasse falar com médicos ou especialistas em desenvolvimento infantil - em vez de nos recriminar o tempo todo, ela entendeu que algo era «diferente» no Rafa, embora não soubesse o quê...Alias ela esteve sempre na frente - foi ela que me aconselhou a ligar para a APCH em 2004, alertada por uma entrevista que viu com Linda Serrão...antes mesmo de eu ouvir falar em hiperatividade!

Mas com o lado paterno, as coisas nunca foram bem entendidas - para eles, nós não tinhamos «mão» no miúdo, nunca conseguiram descolar da imagem de indisciplinado, birrento e mimado - continua a ser uma das frases do costume «isso é mas é mimo» (como se o mimo fosse doença...)

 

Nos anos que se seguiram, num esforço para percebermos o que se passava, fomos tendo um percurso intenso. Andamos com o Rafa no Instituto de genética, andamos dois anos em consultas de psicologia infantil na ANEIS (para crianças sobredotadas), andamos em neuropsicologia e por fim fomos encaminhados para neuropediatria - tivemos vários diagnósticos, desde paralisia cerebral, autismo, sobredotação e finalmente um diagnóstico de PHDA com transtorno de oposiçao/desafio e caraterísticas de asperger.

O que sabemos é que ao longo desse período os laços familiares se foram alterando. Com os meus pais por perto, apoiando as nossas tentativas os laços foram-se reforçando - com o lado paterno ignorando o nosso esforço e mantendo atitudes «mais fechadas» em relação aos diagnósticos que iamos tendo, os laços foram-se rompendo. De um lado, tinhamos uma casa onde sabiamos poder deixar o Rafa, para por exemplo, tentarmos descansar um pouco (isto numa altura em que o dormir era um tormento e eu andava praticamente sonambula durante o dia - do outro, passamos de pelo menos um almoço semanal para visitas rápidas cada vez mais distantes, até encontros ocasionais em alturas de festas tradicionais (evitavamos encontros familiares demorados porque sempre nos traziam mais conflitos)

 

Depois de um diagnóstico correto e do início da medicação, a nossa vida foi estabilizando, como casal, fomos aprendendo a conviver e a saber lidar com as diferenças do Rafa, mudamos de zona de residência porque percebemos que teriamos de estar mais perto de quem nos poderia ajudar. Com a minha mudança de atitude muito se alterou. Essa reforma interior foi o ponto decisivo - levou a que todos os que me rodeavam também alterassem a forma de ver as coisas. Como passei a encarar as situações de outro modo, mudei a forma como me relacionava com os outros. Deixei por exemplo de ter a necessidade de «pedir desculpa» pelos comportamentos do Rafa, pelo facto de ter alterado hábitos e regras «normais» mesmo em relação à família! Deixei de me sentir insegura na forma como me organizava e definia as estratégias a usar com o meu filho. 

 

Vivo agora muito perto dos meus pais (eles vieram viver para a minha zona após saberem da minha vontade de regressar ao trabalho) e conto com eles para tudo. Sei que o fazem de coração aberto e sem ressentimentos e só por isso aceito de coração todo o seu empenho! Adoro-os e sei que fazem da nossa vida, a vida deles também, respeitando sempre o nosso caminho mas mostrando que estão lá!

Com o lado paterno vêmo-nos esporádicamente, mantemos um cordial relacionamento - nunca iria impedir que fizessem parte da vida destes netos mas nunca iria impor esse relacionamento. Sempre que nos visitam (quanto a nós irmos a casa deles é mesmo muito raro) os miúdos mostram uma alteração e uma agitação que eu sei terem a ver com o facto de detestarem intromissões na rotina - tudo o que é novidade (e isso vale para as visitas) é motivo de alteração.

 

No passado domingo a minha sogra e o companheiro vieram trazer alguns produtos da sua quinta e como sempre os miúdos «passaram-se». Começaram por saltar, cantar e trepar por eles acima. Ignoraram os diversos pedidos de «falem mais baixo», quiseram arrastá-los para um jogo de bola (dois minutos depois de terem chegado). O Rafa passava o tempo a interromper a conversa de circunstância querendo sair de casa ou perguntando coisas que nada tinham que ver com o momento (coisa que acontece sempre que está nervoso), recusou-se a beijar os avós, circulava pela casa sem saber onde parar...O Quico quer toda a atenção para ele - passou o tempo a chamar nomes feios, deu pontapés, bateu com o pau da vassoura nas costas do companheiro da minha sogra (que conhecem como avô paterno). Logo, a visita terminou abrutamente, sem grande manifestação de pesar da minha parte, pois sei que apesar de tudo, os meus miúdos apenas reagem assim pelo desconforto que sentem quando estão na presença de pessoas com quem não convivem muito. 

 

Se tenho pena de não conseguir manter uma maior harmonia familiar com o lado paterno? Alguma...mas reconheço que não sou a única a ter de construir essa harmonia. Sei perfeitamente que as atitudes do outro lado (o estarem sempre a chamar a atenção dos miúdos pelo barulho, o apontarem todos as «asneiras», o fazerem comparações com os outros primos) não são as mais corretas...mas não sou eu que as posso mudar pois não?

 

 

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