... pegando na «deixa» do post anterior e dado que foram eles os protagonistas destes dias, tentarei dar conta do que por cá se passou
Quando há dois anos atrás, iniciei este blog, tive uma ideia clara do que gostaria que ele fosse - um blog de mãe, como muitos outros de boas intenções, onde o relato de uma vida tocada pelo transtorno de hiperactividade que afecta o filho mais velho, se misturasse com os episódios mais «vulgares» da família.
Mostrar como é viver 24horas/dia com uma criança hiperactiva, implica revelar certas situações mais íntimas, familiares, nem sempre muito positivas ou com final fácil!
Desde que o Rafa nasceu, habituei-me a ouvir certos comentários, ter de «engolir» certas atitudes e muitas vezes, a ter de deixar passar alguns atropelos. Mas nunca baixei os braços, nunca me imaginei a consentir ser pisada, ou ver pisar o meu filho! Se nem sempre explico, se nem sempre «dou troco» ou entro em confronto quando ouço algumas barbaridades, faço-o apenas porque aprendi ao longo destes nove anos a escolher as minhas batalhas! e algumas não merecem de todo ser travadas - são apenas desperdício de energia!
Isto para dizer que pesei o que vou relatar, pensei no modo como o faria, para que não me julguem ou interpretem erradamente - aviso, não sou eu a vítima, tão pouco espero algum tipo de ajuda (felizmente não estou só) e apenas pretendo que continuem a acompanhar o dia a dia desta família, já que o partilho sem segundas intenções!
O Rafa fez nove anos a 25 de Janeiro! está no corpo um homenzinho(acho mesmo que muuuuito homenzinho!) Quase da minha altura e com ar de quem entrou na adolescência (não acho que exista a pré...os miúdos de 12 anos agora são adolescentes!)
No entanto, a sua maturidade continua a não acompanhar a idade biológica (na avaliação psicológica de final do ano passado, andaria pelos 5!) Comporta-se portanto como uma criança grande - e muito agitada e impulsiva e muito instável e muito agressiva e muito ciumenta!
Tudo nele é em excesso - a agitação motora, a impulsividade, os transtornos/contrariedades, as alegrias, os ciúmes...
Sem medicação é incontrolável a nível de comportamento, da organização do seu dia a dia, do controlo dos impulsos....E há três semanas que se recusa a fazer a medicação.
Em casa é um autêntico furacão, na escola baixou bastante o seu rendimento. Como o obrigar a tomar de novo as substâncias que o estabilizam? Ainda não tenho resposta mas já tentei vários métodos...no entanto acho que ele também está a chegar a um ponto de viragem, penso que se eu continuar a minha persistência dará frutos!
Neste cenário, chega-se a sexta feira dia 12 - último dia de escola para a entrada nas ditas «férias de carnaval». Época que para o Rafa sempre foi complicada - a sua fobia à maior parte dos tecidos fazia com que rejeitasse sempre vestir qualquer fatiota, o horror das multidões e de se descontrolar nos desfiles não o deixavam participar. No entanto, depois de diagnosticado e medicado, embora com alguma relutância e certas «atenuantes» (como a escolha da roupa ser feita por ele e usar calça de fato de treino, mesmo com fato de Hulk) lá se juntou nos últimos dois anos aos colegas de escola (apenas na escola e saídas esporádicas à rua - nada de passeatas!)
Este ano não foi excepção, escolheu à última hora ir de Vampiro mas como anda muito mais descontrolado, foi uma «fita» vesti-lo e levá-lo à escola! Dentro do que era esperado, correu bem até vir para casa....
A luta começou por uma coisa tão fútil como ter partido um dos dentes da praxe. Embora lhe tenha dito que lhe comprava outro conjunto para ele poder levar no dia seguinte a uma festa organizada pelo 4º ano da sua escola, foi como o mundo desabasse e o reino dos vampiros fosse banido para sempre!
Desatou a berrar, espernear e pontapear tudo o que lhe aparecia pela frente, com a agravante de estarmos dentro do carro...
Já com o irmão metido ao «barulho» o Rafa cada vez se descontrolou mais ao ponto de querer abrir o vidro e jogar o irmão borda fora! tudo acompanhado com o mais irritante e feioso «chorrilho» de calão nortenho, impossível de reproduzir aqui!
Parei o carro e o festival continuou com todos os transeuntes e alguns vizinhos a meterem o bedelho o que agravou a atitude histérica do Rafa. Para o conseguir «meter» dentro prédio tive de o agarrar pelos cabelos e por um braço, levando claro a que o seu estado se tornasse indomável!
Quando cheguei ao meu piso, os vizinhos do lado fizeram questão de sair para o átrio para assistir a tudo (ela com ar de beata e ele com um enfadonho ar de «superioridade» que revela um carácter bem mais baixo!) sempre com um sorrisinho irónico na face e com comentários da mais profunda ignorância!
Ora eu própria já não estava em mim! Lá dentro a luta continuou - ele a bater-me desalmadamente, uma questão de minutos e a minha perna parecia ter sido atropelada por um camião! nem o meu pai o conseguia parar e acabou também por entrar na luta!
Depois de muito bater, muito soco, muito pontapé e muito palavrão - eu tentando não ripostar exactamente na mesma moeda mas tendo obviamente de me defender, ao mesmo tempo mantendo o controlo, o Quico estava em desespero e eu mais aflita com ele do que comigo ou mesmo com o Rafa!
A única forma de parar aquilo (mais de 2 horas depois!) foi com a minha família (pais, avó e o meu Quico) noutra divisão da casa, fechados, eu e o Rafa no meu quarto (que ficou literalmente destruído) e aos poucos firmemente, agarrando-lhe o braço para o obrigar a olhar-me nos olhos, deixei que o choro chegasse para depois começar a ouvir-me!
Foram momentos torturantes, desgastantes e absolutamente arrepiantes! senti-me impotente e até humilhada na minha condição de mãe!
Será que um dia mais tarde e com uma vida repleta de dúvidas próprias do crescimento, o Rafa, sem medicação, vai conseguir controlar aquela impulsividade/agressividade? E eu, serei capaz de continuar a ter forças para o dominar?
Bem, para concluir a cena deste dia, os meus pais agastados com tudo o que se passou, levaram o Quico com eles para passar a noite. Eu e o Rafa tivemos nova luta mais psicológica, para fazê-lo entender o que tinha feito! Coisa que durou aí uns 5 minutos! depois era como se nada de grave tivesse acontecido, ele a pedir cereais e a querer dormir comigo!
Essa foi das tais noites em que não dormi de todo!
Sábado - festa organizada pelos 4ºs anos da escola, com direito a desfile de todos os miúdos, trajados a rigor - o Rafa foi e levamos o Quico mas o único que gostou foi mesmo o mais novo! adorou exibir o seu fato de polícia!
Por andarem muito nervosos os dois estiveram acordados até às duas da manhã e levantaram-se às seis e meia! e eu, mal dormi...
Domingo - luta entre os dois em cada segundo, uma tarde carregada de tensão, o Rafa sempre contrariando a nossa decisão (qualquer que ela fosse!) Acabamos por tentar dar uma caminhada mas acabou por ser uma corrida, comigo a tentar não os perder de vista mas preocupada com os meus pais que nos tentavam acompanhar...sempre a apanhar sustos de morte pois o Quico não tem qualquer noção do perigo e insiste em correr estrada fora, ziguezagueando por entre os carros!
Segunda - birras descomunais por tudo e por nada, birras comigo e com o avô, com o mano e com a avó! o final do dia foi desgastante e tive mesmo de «mandar» os meus pais para casa mais cedo do que o habitual pois às vezes ter muita assistência complica!
Jogaram esparguete pelo chão mas foram obrigados a limpar tudo (embora o Rafa tivesse de ser lembrado a cada 5 minutos, acabou a sua parte!) e fizeram da sala um campo de tiro ao alvo...
Dormimos aos «solavancos» entrecortados de duas em duas horas (ora por um, ora por outro!)
Terça - foram os únicos que fizeram a festa aqui na zona - da janela jogaram serpentinas e andaram no parque a espalhar papelinhos e fitinhas enquanto corriam um atrás do outro!
Ainda os levei ao shopping, onde os avós ficaram com o mais pequeno a passear e eu me meti no cinema com o Rafa!
Graças aos deuses e ao calendário escolar, terei mais tempo a partir de agora e por isso tentarei colocar uma fotos e contar as partes mais giras do nosso alucinante período de Carnaval!